Parece já ter se tornado lugar comum afirmar acerca da violência e da insegurança em nosso cotidiano. As notícias que nos chegam, ao mesmo tempo em que reforçam essa sensação, naturalizam guerras, assassinatos, agressões, quando insistentemente nos expõem a detalhes e imagens com os quais, passado o impacto inicial, nos familiarizamos. A rapidez com que as notícias e fatos são veiculados nos meios de comunicação, sempre em busca de novidade e exclusividade, desumaniza as relações privilegiando o fato em detrimento do sofrimento das pessoas envolvidas, seja nas guerras, nas tragédias ambientais ou familiares. Em busca depoimentos ou testemunhos em momentos de extrema fragilidade racionaliza-se algo que nem ao menos foi possível processar internamente. O mesmo ocorre com familiares que perderam seus entes mais velhos em casas de idosos, obrigados a externalizar sua dor para expectadores ávidos de imagens e novidades, como vimos durante a fase mais aguda da pandemia nos meios de comunicação de várias partes do mundo. Isso porque, em alguns territórios, os meios são proibidos, censurados e se autocensuram para não informar e noticiar os fatos.
Cabe ainda aos meios de comunicação “escolher” o que será ou não a notícia de amanhã. E muitas vezes essa escolha é global, as agências de notícias determinam o que é e o que não é importante para as pessoas em seus locais. As múltiplas formas de violência são simplificadas quando a imprensa privilegia apenas os crimes, afirmava Sérgio Adorno ao analisar o sujeito em “Violência, ficção e realidade” (1995). Entretanto, para as ciências sociais, continua sendo um desafio compreender o fenômeno da violência e as múltiplas facetas que cabem sob esse rótulo continua. Ainda devemos, necessariamente, considerar a existência de inúmeros componentes na cena violenta: a vítima, o agressor, os familiares e amigos de ambos, os agentes de polícia e todo o público que consome os fatos cotidianos em suas múltiplas plataformas midiáticas, assim como as próprias plataformas. Quem são as personagens vítimas das violências? E seus agressores, por que o fazem? Dialeticamente, agredidos, agressores, espectadores e meios de comunicação deixam marcas uns nos outros, pois participam do mesmo processo construído socialmente.
Considerando-se que o diálogo das culturas deveria ser uma das características do nosso tempo, convém enfatizar que então se faria necessária uma nova maneira de viver a alteridade, com a afirmação da exterioridade do outro que vem junto com seu reconhecimento enquanto sujeito. Este tempo clamaria pela superação de si, o que implicaria a epifania do outro. Neste aspecto, a questão que se coloca é como as mídias que, num sentido amplo, compreendem desde relações interpessoais até processos massivos, podem contribuir para propagar o respeito ao outro, ao diferente, ao estranho, ao estrangeiro?
A temática “Mídias, violência e alteridade. As múltiplas facetas de uma realidade global” vai ao encontro dos temas de pesquisa desenvolvidas pela Rede Internacional América Latina, Europa, Caribe (ALEC), que busca trabalhar pelos direitos humanos; construir conhecimento especializado sobre as realidades e formas de discriminação que afetam as populações vulneráveis, nos diferentes continentes e territórios em que atua, na família, no trabalho, na sociedade, nos campos educacional, de saúde , social e no quadro da diversidade, do ambiente, dos conflitos; contribuir para a mudança cultural e social, bem como assessorar e apoiar a construção de políticas públicas por meio de soluções alternativas viáveis e práticas diferenciadas entre homens e mulheres, baseadas no respeito, equidade, reconhecimento e desenvolvimento de direitos, empoderamento, resiliência e inclusão de populações vulneráveis, entre outros.
Neste contexto, são bem-vindos artigos relacionados com a atual crise global, social e financeira devido à pandemia. Entretanto, procuramos nos concentrar mais amplamente no fenômeno midiático como uma experiência cotidiana na qual poderes hegemônicos globais se confrontam com resistências locais na busca do reconhecimento do Outro.