Salvador Gijón, Domingo Cipriano y López Camarillas, José A. (2022). El premio. Torrent (València): Llibres de l’Encobert, 50 p.

Paulo Celso da Silva 

Texto completo

Sin duda, una de las enseñanzas más importantes
que Salvador pudo dar a su pequeño fue
la de cooperar entre iguales para sobrevivir ante la
adversidad, como él hizo con sus
compañeros en la cárcel. Lección teórica y práctica
que adoptó la forma de un cuento: El premio.
López Camarillas, 2022

A edição que temos em mãos para resenhar foi publicada em julho de 2022, graças aos esforços de Lopez Camarillas, do editorial Llibres de l'Encobert (Valencia/Espanha) com seu objetivo de manter viva a memória histórica e a justiça social e de 147 pessoas que financiaram o projeto por meio da Verkami, uma plataforma espanhola de crowdfunding. Originalmente, o livro contou com a edição de Domingo Cipriano Salvador Gijón, a transformação do texto em versos por Luis Días Serrano, ilustrações de Carmelo García Rodríguez com coloração de Gabriel Pareja e caligrafia de Joaquim Bravo, todos prisioneiros políticos na penitenciária de El Dueso (Santoña, Cantabria, Espanha), então um campo dos campos de concentração Franquista, no qual a violência contra os prisioneiros era cotidiana e a prática das ‘sacas representativas’ (a separação de prisioneiros escolhidos aleatoriamente e de diversas ideologias para serem fuzilados) uma forma a mais de terrorismo e opressão do Estado.

Findava o ano de 1943 e Cipriano Salvador Gijón (Pedro Muñoz, 1894 -Toro, 1975 ambos na Espanha) queria presentear seu filho de 5 anos com algo significativo, uma vez que apenas o conhecerá como um bebê, mas mantinha contato frequente pelas cartas e cartões postais que enviava para Villanueva de los Infantes (Ciudad Real, na comunidade autónoma de Castilla - La Mancha) onde ele morava com sua mãe. Preso injustamente, acusado pelo desaparecimento do quadro Santa Ana, la Virgen, santa Isabel San Juan de Yáñez de Almedina durante a guerra civil espanhola, Cipriano cumprirá sete anos de prisão e, após cumprida a pena, ainda amargou dificuldades para encontrar trabalho, sendo proibido ainda de exercer suas atividades e devendo residir em Madrid, pois fora desterrado de La Mancha.

Apenas agora, em 2022, por iniciativa de Lopez Camarillas, a história do desaparecimento do quadro é desvendada e fica provado que ele sempre esteve no Museu do Prado de Madrid e, ao contrário do que ficou conhecido, Cipriano havia salvo a obra quando em 1938, isso é atestado pelos agentes da Briqada da Caixa de Reparações da República (ligados ao Ministério das Finanças) ao comparecerem a sua casa o cumprimentam por salvar a pintura, diz o documento:

Quando eclodiu o movimento militar-fascista, dedicou-se ao mérito da sua profissão a recolher muitas obras de arte, que existiam nas vilas da província, depositando-as na igreja dos Infantes, onde mais tarde foram na sua maioria destruídas, conseguindo para salvar a pintura, que hoje foi entregue às autoridades. Atribui-se um valor extraordinário à referida obra, pois no nosso Museu Nacional quase não existem obras de tão grande artista (Acta de 1938, que reconhece a posse do quadro (tradução nossa).

Cipriano Salvador Gijón ainda nos legará uma importante obra acerca da área de La Mancha, Es don Quijote el que guia, publicado em 1921 e reeditado em 2021 quando dos 100 anos, um guia para os viajantes conhecerem os passos do personagem de Cervantes, mas, ao mesmo tempo uma demonstração da visão de Salvador Gijón para o aproveitamento já nos inícios do século XX, do trajeto como marco turístico e possibilidade econômica, além de denunciar a situação social pela qual viviam as pessoas dessa região.

Assim, esse republicano espanhol nos deixou importantes obras, como é o caso de El Prêmio, que ficou guardado com seu filho, hoje com 84 anos. Livro infantil que se passa em uma escola de animais na qual o ganhador de uma banheira de Natillas (um creme feito a base de leite e ovos) decide compartir om seus colegas, apesar das brincadeiras maldosas e burlas que estes companheiros faziam com ele.

A história ilustrada começa assim:

Antigamente, / quando burros, leões, panteras, / gatos, porcos, cabras, galinhas, tartarugas / e todas as criaturas que havia na Terra / falavam e falavam — mais inteligentes / que todos os homens — uma única língua. // Todos se reuniam, todos se ajudavam, / todos viviam juntos e não havia guerras. // Às vezes, alguns que estavam de mau humor / começavam discussões ou algumas brigas, / mas sua raiva logo acabava / e eles se contentaram com uma paella. //(tradução nossa).

Mas, os bichos não viviam em uma selva perdida em algum ponto da África ou da américa do Sul. Eles frequentavam escolas!!

Como é natural, os bichinhos, /com nobres desejos, iam para a escola. // Em uma eles tinham como professor / um belo cavalo, de crina cinzenta. // No nariz ele usava orgulhosamente / óculos de cor canela, / e um gorro vermelho dava a ele a aparência / de ter uma licenciatura em Artes e Ciências. // Todos os alunos eram animais, / como dissemos... Havia um pequeno / Papagaio, um Loro, um Burro, um Porco, / um Macaco, um Urso, com uma Cegonha; / e um grande Elefante com uma Girafa / formaram um grupo naquela escola. // Como a Girafa tinha tal pescoço / que, se o alongava, chegava à porta, / deram-lhe um nó, deixando-o mais baixo, / e assim sentou-se, tão bonita e tão rígida. // Sr. Cavalo, simpático, cheio de bondade / explicou estoicamente o que era aritmética, / o que era gramática, também geografia, / todos os princípios, axiomas e regras. / Mas os alunos eram tão burros, / tão descuidados, tão estúpidos, tão... feras! / que o pobre Cavalo nunca conseguiu / meter as lições em tais cabeças. // Havia apenas um, e era o Elefante, / com sua grande cabeça, que o entendia. //(tradução nossa).

Pobre professor Cavalo, tanto fazia e ensinava e nada dos alunos aprenderem as lições básicas, apenas o atento Elefante prestava atenção, fazia as lições de casa, estudava os verbos e as tabuadas. E o ano letivo chega ao final. Professor Cavalo havia prometido um premio para o melhor aluno da classe, aquele que conseguisse passar em todos os exames.

EXCELENTE / graciosamente ganhou seu prêmio. // Sr. Cavalo, feliz, pegou o creme / e com um abraço deu-lhe a banheira. // Imagine como ficaram os outros alunos /! Feito umas feras! // Choravam de inveja, outros chutavam; / Outros diziam palavras grosseiras... // Mas o Elefante, que amava a todos, / porque os amava, sentia muita pena / e chamando a todos disse: «Olha, / vocês são maus alunos, são babacas. // Burlaram de mim, me atiraram muitas pulgas, / me encheram de insultos, me cobriram de ofensas... // Mais para demonstrar a vocês que quem estuda muito / enobrece o peito de honra e de vergonha , / Eu perdôo a todos e, além disso, convido vocês / a comer comigo este grande lanche. // Prêmio que adquiri com muito esforço, / sempre estudando — algo que não importa—, / enquanto suas zombarias, que queriam ser / zombarias contra o saber, não me marcaram. // E hoje eu tenho duas coisas chamadas cultura / e ética moral, que é o que importa”. // Depois do que foi dito, todos muito felizes / aglomerados em volta do cocho / e todos comeram... Nem todos! Que o Porco / foi jogado de lado, em uma panela. /(tradução nossa).

Assim, a moral da história é saber perdoar e repartir, é a solidariedade entre todos como soluções para as dificuldades, ao mesmo tempo a aceitação das diferenças como forma de aprendizado do próprio Eu, do papel a desempenhar socialmente visando o bem comum.

Sem dúvida, uma história singela em uma edição que orgulharia aqueles detentos que deram o melhor de si para que um menino de cinco anos tivesse um presente nas festividades natalinas de um tempo de guerra. O livro ainda conta com um prólogo de José A. López Camarillas, datado de junho de 2022, no qual conta a biografia e a literatura de Salvador Gijón e a sua “doce derrota”:

Como seu estimado Quixote no final do romance, ele mudou com o choque da realidade. Não falava. Não podia. Em seu tempo livre só queria desenhar. Nem se atreveu a abrir a boca quando viu a pintura de Yáñez, sua pintura, em El Prado, onde ia quase todas as tardes para fazer esboços. Ao fim e ao cabo, era a sua Dulcinéia particular: todo o seu sacrifício era para preservar a obra, e que estivesse no museu era uma doce derrota. O haviam vencido pela força, mas ele, como Alonso Quijano, havia ligado sua imortalidade à uma obra de arte (p.40, tradução nossa).

Sem dúvida, a publicação em julho de 2020 desses originais é um “dolce regalo”, mesmo tantos meses depois do Dia de Reis. Todas as gerações de leitores, republicanos, democratas agradecem o trabalho desses artistas que foram presos por ter ideias e nenhum medo do futuro, como certos conservadorismos.

Autor(a)

Paulo Celso da Silva
Universidade de Sorocaba
Sorocaba, Estado de São Paulo, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-0494-7408
paulo.silva@prof.uniso.br
Artículos del autor publicado en Trayectorias Humanas Trascontinentales

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