Os regimes democráticos e a comunidade internacional têm feito grandes esforços durante o século XX para erradicar a tortura. Mas as Nações Unidas e uma longa lista de organismos internacionais afirmam que ela continua a ser praticada no século XXI apesar da ratificação da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Desde a sua entrada em vigor em 1987 e até 2022, 173 países comprometeram-se a tomar medidas legislativas, administrativas, judiciais ou outras eficazes para prevenir atos de tortura em qualquer território sob a sua jurisdição.
Os atos de tortura, para além de serem contrários aos direitos humanos, constituem um ataque aos valores morais da sociedade moderna, aos compromissos e progressos do direito internacional. Acima de tudo, é contrária ao Estado democrático e estranha aos seus sistemas de justiça. Pelo contrário, em autocracias, a tortura ocupa um lugar central nos mecanismos repressivos contra opositores, críticos ou dissidentes.
Jeremy Waldron no seu livro Tortura, Terror e Compensação: Filosofia para a Casa Branca (2010) convida-nos a refletir sobre a razão pela qual a sua proibição é absoluta e um arquétipo do Estado de direito e do espírito democrático. Pelo contrário, tolerá-la ou promovê-la como uma prática justificada no nosso tempo, mergulha-nos na barbárie e na brutalidade.
Pela sua parte, Luigi Ferrajoli na sua apresentação ao livro Privación de la libertad y derechos humanos. Tortura e outras formas de violência institucional no Estado espanhol,intitulada "La batalla contra la tortura: la batalla de la razón" comenta que:
"O que caracteriza a tortura... é... a sua eliminação do olhar do público, num duplo sentido. Por um lado, porque a tortura é praticada em segredo, em quartéis, em prisões, em esquadras de polícia, na tête à tête entre inquisidor e interrogado. Por outro lado, porque a tortura nunca é, diria quase por uma questão de princípio, o objeto de estudo...".
E é precisamente isto que pretendemos fazer nesta edição especial da revista TraHs; ou seja, ao falar de tortura(s) "romper no campo cívico, político, bem como científico" com o "segredo", o "silêncio" e a "invisibilidade" em torno da tortura, em violação dos direitos mais elementares, das "diretrizes básicas da democracia e do Estado de direito".