O impacto do sistema capitalista nos bens ambientais: O direito ambiental brasileiro diante dos novos avanços ambientais nas Constituições da Bolívia e do Equador

Tamiris Melo Pereira 

https://doi.org/10.25965/trahs.994

O presente artigo trará de forma sucinta a estrutura sócio- evolutiva da sociedade, partindo da análise histórica e crítica do sistema capitalista, desde sua constituição até os dias atuais, na qual será inquirida e comparada a crescente devastação ambiental. E isso será feito partindo da análise da terra, o principal bem utilizado em todas as fases do modelo de produção capitalista, sendo ela, o grande alicerce à vigência, manutenção, sucesso e enriquecimento desse modelo produtivo e de seus administradores. Isso, com o objetivo principal de estudar como o modelo de produção capitalista diante de todas as suas fases históricas, e principalmente sua forma atual, está correlacionado a influência jurídica que exerce sobre os bens ambientais, já que o Direito tem a obrigação, como agente de vanguarda, de oferecer respostas e apontar soluções às questões suscitadas e aos fatos concretos, pois é o substancial meio de tutela jurídica ambiental. Apesar dessas características essenciais ao Direito, o que se encontra hoje no Brasil, a partir do artigo 225 da Constituição Federal, é uma inércia as novas vertentes legislativas ambientais latino-americanas (Constituições da Bolívia e do Equador), visto que a ideia de natureza como sujeito de direitos ainda não assumiu forma expressa e nem está sendo cogitada para o Direito pátrio.

El presente artículo traerá de forma sucinta la estructura socio-evolutiva de la sociedad, partiendo del análisis histórico y crítico del sistema capitalista, desde su constitución hasta los días actuales, en la cual será inquirida y comparada la creciente devastación ambiental. Y eso estará hecho partiendo del análisis de la tierra, el principal bien utilizado en todas las fases del modelo de producción capitalista, siendo ella, el gran cimiento a la vigencia, mantenimiento, éxito y enriquecimiento de ese modelo productivo y de sus administradores; con el objetivo principal de estudiar cómo el modelo de producción capitalista ante todas sus fases históricas, y principalmente su forma actual, está correlacionado con la influencia jurídica que ejerce sobre los bienes ambientales, ya que el Derecho tiene la obligación, como agente de vanguardia, de ofrecer respuestas y apuntar soluciones a las cuestiones suscitadas y a los hechos concretos, pues es el sustancial medio de tutela jurídica ambiental. A pesar de esas características esenciales al Derecho, lo que se encuentra hoy en Brasil, a partir del artículo 225 de la Constitución Federal, es una inercia de las nuevas vertientes legislativas ambientales latinoamericanas (Constituciones de Bolivia y Ecuador), ya que la idea de naturaleza como sujeto de derechos aún no ha asumido forma expresa y ni está siendo considerada para el Derecho patrio.

Cet article traitera brièvement de la structure socio- évolutive de la société, à partir de l'analyse historique et critique du système capitaliste, depuis sa création jusqu'à nos jours. On y commentera et comparera les dégâts croissants causés à l'environnement en partant de l'analyse de la terre comme bien suprême utilisé dans toutes les phases du modèle de production capitaliste et vue comme fondement de la durée, du maintien, du succès et de l'enrichissement de ce modèle productif et de ses gestionnaires. Ceci, avec pour principal objectif d'étudier la façon dont le modèle de production capitaliste dans toutes ses phases historiques et surtout dans sa forme actuelle exerce une influence juridique sur les biens environnementaux dans la mesure où la loi a l'obligation, en tant qu'agent d’avant-garde d’offrir des réponses et d’apporter des solutions aux problèmes soulevés et aux faits concrets, car elle représente le moyen essentiel de protection juridique de l'environnement. Mais, malgré ces caractéristiques essentielles au Droit, à l’heure actuelle, au Brésil, l'article 225 de la Constitution Fédérale, est la preuve de l'inertie des nouveaux volets législatifs latino-américains en matière d’environnement (Constitutions de la Bolivie et de l’Équateur) puisque la nature comme sujet de droits n'a pas encore pris une forme réelle et n'est pas pris en compte.

This article will briefly describe the social and evolutionary structure of society, starting from the historical and critical analysis of the capitalist system, from its constitution until the present day, in which the increasing environmental devastation will be surveyed and compared. And this will be done from the analysis of the land, the main asset used in all phases of the capitalist production model, being the great foundation for the validity, maintenance, success and enrichment of this productive model and its managers.
With the main objective of studying how the model of capitalist production before all its historical phases, and especially its present form, is correlated to the legal influence that exerts on the environmental goods, since the Law has the obligation, as agent to provide answers and point out solutions to the issues raised and the concrete facts, since it is the substantial means of environmental legal protection. Despite these essential characteristics of the Law, what is now in Brazil, based on Article 225 of the Federal Constitution, is an inertia of the new Latin American environmental legislative strands (Constitutions of Bolivia and Ecuador), since the idea of nature as subject of rights has not yet taken on an express form and is not being considered for the country's law.

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Introdução - Breve evolução do sistema capitalista

As primícias do sistema capitalista, que conhecemos hoje, surgiram de forma notável a partir do modo de produção feudal, onde a medida de riqueza humana se encontrava na quantidade de terras sob a posse de uma única pessoa.

Nos séculos XII e XV, mudanças conduzidas pelo crescente comércio, originário das feiras dos primeiros tempos da Idade Média, já a margem da crise feudal, foi o incitativo para introduzir uma economia de mercado.

Notabiliza-se que as feiras trouxeram grandes transformações na estrutura social, à medida que ergueram cidades e deslocaram as atenções do meio rural para o urbano. Com isso, novas exigências eram feitas pelos novos cidadãos das cidades, desejosos de mudanças e de um novo Direito, já que o modelo feudal, repleto de dogmas da Igreja Católica e do Senhor Feudal, cerceava a liberdade individual e, consequentemente, impedia a expansão da fronteira comercial. Diante das divergências, ensejou-se um período de conflitos que pode ser singularizado pela afirmação de Oliver Wendell Holmes em que “quando as divergências são de grande alcance preferimos tentar matar o outro homem a deixá-lo praticar suas ideias” (apud, Huberman, 1981:31).

Com a expansão das cidades e do comércio, um novo tipo de riqueza despontou: o dinheiro. E com ele, uma nova classe social, a burguesa, que se enriqueceu justamente pela acumulação do mesmo (Huberman, 1981: 54).

A maior parte da população se encontrava nas cidades, representando um setor manufatureiro e comercial; com isso, havia maior quantidade de pessoas dependentes da produção rural, que era desempenhada por poucos, somados a produção excedente que deveria existir, já que o crescimento do mercado é um incentivo a ascensão da produção (Huberman, 1981: 54). Duas são as formas para o aumento da produção agrícola, uma é o desenvolvimento extra da mesma terra, via uso de tecnologias e aprimoramento de técnicas, a outra é a expansão de culturas. As duas foram usadas (Huberman, 1981: 54). O que foi resumido nos eventos históricos como a marcha para o oeste na Europa, marcha para o oeste norte-americana e a Revolução Verde no Brasil, com um desfecho de crescimento econômico gigantesco e de diversidades biológicas variadas destruídas.

É certo que a monetarização foi um dos atrativos para o deslocamento das pequenas oficinas manufatureiras do campo para a cidade, onde foi expandida e aperfeiçoada a produção e seus métodos, o que acarretou na perda da autossuficiência e na evolução de uma montagem rústica e em pequena escala para periodicamente progredir e transformarem-se em corporações, no qual o objetivo era o monopólio industrial.

Com a urbanização, as pequenas oficinas locais e corporações tornaram-se vultosas indústrias nacionais e depois multinacionais. A partir disso, o mercado não era tão somente para indivíduos, mas para nações, o que estimulava a busca pela lucratividade.

A fusão de poderes, capital e a troca de favores deu tão certo para as primeiras corporações que essas cresceram em tamanho e poder, tornando-se na atualidade, superiores ao próprio Estado, já que essas impõem suas regras congênere aos seus interesses, sendo muitas das vezes afrontosa e evidente a irrelevância quanto ao meio ambiente.

Durante essas transformações sociais e mercadológicas, houve também alterações quanto a concepção dos preços, que deixaram de ser justos para respeitarem o valor de mercado, uma vez que a abrangência comercial passou de uma concepção local para o global. Assim, foram superadas questões como a usura, as relações autossustentáveis e a pequenez do mercado local. Essa fase se reflete na obra de Jehan Buridan, reitor da Universidade de Paris no século XIV: "O valor de uma coisa não deve ser medido por sua validade intrínseca é necessário levar em conta as necessidades do homem, e avaliar as coisas em suas relações para com essa necessidade" (apud Huberman, 1981:59).

O progressismo econômico impulsionado pela Revolução Industrial acarretou o surgimento de teorias a respeito do mercado, essas muito adstritas a conhecimentos marxistas, entretanto destacam-se os estudos de Veblen. Tal estudioso foi a contramão de tudo que sua época engrandecia, embora não mencione expressamente o problema ambiental, nele são encontrados instrumentos iniciadores a análise do bem ambiental, como o mencionado “consumo conspícuo”, algo que na atualidade é conhecido como consumo não-sustentável, sendo ele apontado como o responsável por uma futura crise de cunho financeiro. Todavia, seu raciocínio pode ser empregado para teorizar sobre uma crise de bens, ou seja, de escassez de meios necessários à manutenção do padrão de uma sociedade de consumo de massa – exatamente o que se presencia no século XXI, já que os desejos humanos são ilimitados e a oferta de bens e serviços são limitados (Melo Pereira, 2012: 3).

Com surgimento do Estado Nacional, sob a chefia de um monarca e a perda do poder da Igreja Católica, superou-se de vez o período feudal, agora a classe predominante era a burguesia e com ela novas modificações ocorreriam: unificação da moeda, expansão comercial (Revolução Comercial), acumulação de capital- importante para posterior Revolução Industrial, surgiu os sistemas de crédito, uma nova classe de trabalhadores e eclodiu o modelo de produção baseado na celeridade produtiva.

E ainda, com as duas Revoluções Industriais, as etapas da produção deixaram de concentrar-se nas mãos dos artesãos e de seus aprendizes, o que decorreu da mecanização do sistema fabril e da concentração do capital sob o comando e autoridade de poucos.

A grande produtividade proporcionada pela indústria cumulada com a ambição dos donos do capital culminou nas fervorosas ideias do liberalismo econômico, marcado pelo Laissez-faire francês.

O modelo do capitalismo contemporâneo inicia-se a partir do momento histórico em que a burguesia aliou o poder econômico ao poder político, assegurados pelos primados da Revolução Francesa -liberdade, igualdade e fraternidade. Eles serviram de fundamento para o liberalismo econômico garantido pelo Estado Nação e se consagraram por meio da taxatividade de garantias estabelecidas no Código Napoleônico, que assegurou a propriedade privada, sua proteção e o livre comércio. O capitalismo alçou sua origem moderna.

A Inglaterra, devido a grande acumulação de capital somada a diversos outros fatores históricos como o êxodo rural, a colonização, maior número de trabalhadores, o surgimento da máquina a vapor, as condições precárias de trabalho e os baixos salários propiciaram que essa nação fosse o berço do sistema capitalista, que mais se assemelha ao que conhecemos hoje.

O crescimento da população, as revoluções nos transportes, agricultura e indústria estavam correlacionados. No qual agiam e reagiam mutuamente. Eram forças abrindo um mundo novo (Huberman, 1981:158).

Esse período industrial foi acompanhado pelas chamadas “Teorias da Revolução Industrial”, ou seja, da Teoria Clássica, fundada por Adam Smith, onde o parâmetro era a total liberdade do capital sem os intervencionismos governamentais, em que os propósitos são o progresso baseado na produção em grande escala e a ascensão da classe capitalista.

Acentua-se que a Teoria Clássica difunde uma ideia funcional de Estado correlacionada a atividades sociais próprias: educação, saúde, preservar a paz e outros, sem interferências à economia, o que permitia a concorrência e, com isso, a perpetuação dessa ideologia.

Essa teoria começou a perder força na segunda metade do século XIX, quando surgiram os trabalhos de Karl Marx. Todavia, a mesma subsiste na atualidade como Teoria Neoliberalista, ressaltando-se algumas mudanças.

Antes de adentrar as ideias marxistas, é considerável referir-nos sobre os ideais filosóficos utópicos que primeiro discutiram a superação do sistema capitalista. Para eles, tal modelo de produção em tudo tinha males, e por isso, sonhavam com sua abolição. Entretanto, partiam de um ponto de vista de estudo completamente “imaginólogico”, uma vez que a sociedade que propuseram era completamente perfeita, portanto utópica e inatingível.

Karl Marx analisa a história da humanidade como uma consequência dos modos de produção, assim os conflitos sociais, conceitos de direito, justiça, educação, progresso e outros são dependentes da analise econômica vigente a época.

Segundo o mesmo, o alicerce do sistema capitalista estaria na mais-valia, na propriedade privada e na exploração do trabalho, tendo no socialismo, sob a rédea dos trabalhadores, o seu termo inevitável.

Nessa concepção, o valor da mercadoria depende do total de trabalho para produzi-la, assim sua precificação variava conforme o grau de empenho, tecnologia e tempo despendido na sua criação/transformação, ajustado ao potencial de produção do homem médio, destinada ao consumo próprio ou de terceiros.

As ideias de Marx são atuais na seara ambiental, uma vez que a natureza, no decorrer dos anos, adquiriu variados significados, esses condicionados ao seu uso, domínio e apropriação, alvos diretos da lógica capitalista, que a dimensiona como simples utilidade (natureza objeto, natureza mercado).

O ser humano vive da natureza significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza (Marx, 1968:516).

Segundo Michael Löwy, os temas ecológicos não ocupam um lugar central no dispositivo teórico de Marx e Engels, todavia, o mesmo salienta que há em algumas passagens de seus textos, tímidas contribuições que refletem a preocupação ambiental.

Esse mínimo aporte se encontra principalmente, quanto as temáticas referentes ao solo e as florestas.

E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso da agricultura capitalista não é só um progresso da arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. Quando mais um país, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a grande industria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido esse processo de destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador (Marx, 1984 apud Lowy, 2005: 29).

Os estudos de Marx e Engels sobre a relação entre as coisas humanas e a natureza são menores- conforme já foi afirmado-, entretanto, a critica do capitalismo de Marx e Engels é o fundamento indispensável de uma perspectiva ecológica radical, a fim de questionar a lógica destrutiva induzida pela acumulação ilimitada do capital.

Rompendo com a Teoria Clássica e com a Escola Marxista, em uma adaptação/ampliação as ideias de Marx e Engels, surgiu a Teoria Marginal da Utilidade, elaborada por Stanley Jevons, Karl Menger e Léon Walras em 1871, onde o embasamento consiste na utilidade do bem como medida de valor.

Jevons, para explicar essa teoria, formula um exemplo utilizando a água como bem (apud Huberman, 1981:. 217):

Um litro de água por dia tem a grande utilidade de salvar uma pessoa de morte horrível. Vários litros por dia têm muita utilidade para cozinhar e lavar; mas depois de assegurado um abastecimento suficiente para essas utilidades, qualquer quantidade adicional é indiferente.

Aos poucos a economia baseada no livre comercio, proposta pela Inglaterra, deixou de ser o alicerce internacional, uma vez que outras nações passaram a estipular tarifas protetoras aos bens. A definição dessas tarifas protetivas, impeliu a igualdade industrial entre as nações, antes de exclusividade dos ingleses, e isso levou a uma superprodução de bens, que não mais eram consumidos pela própria população. A solução para essa produção excedente, foi expandir as fronteiras; nesse momento, a Colonização assume atribuição fundamental na história capitalista (Huberman, 1981: 289).

No mesmo âmago, a concorrência foi substituída pelo monopólio. Contudo, tal fato não ocorreu de forma incipiente, e sim, por meio de um processo que agregou tecnologia, transportes, maior divisão do trabalho e a produção em massa. (Huberman, 1981: 291)

A concorrência é uma das bases do sistema capitalista do século XXI. A fim de mitigar os efeitos de uma corrida mercadológica desregrada e, ao mesmo tempo, uma tentativa de sobrevivência dos proprietários do capital, surgiram grupos, com finalidades comuns que passaram a estabelecer uma aliança comercial de fidelidade recíproca, principalmente quanto aos preços, são os chamados Trustes e os Cartéis (Huberman, 1981: 315). Isso significa que as finanças - o controle de vastas somas de capital mais a indústria, que utiliza esse capital com objetivos de lucro - constituem a força dominante do mundo de hoje (Huberman, 1981: 230).

Depois de 1870, o capitalismo à antiga passou a ser o capitalismo moderno. O capitalismo da livre concorrência tornou-se o capitalismo dos monopólios.

Além do monopólio na indústria, houve outro, igualmente importante, ou talvez mais - o monopólio dos bancos. Marx o previu, ao dizer que com a "produção capitalista uma nova força entra em jogo, o sistema de crédito” (apud Huberman, 1981: 225). Com esse novo aspecto e sua evolução o sistema capitalista torna-se como hoje o conhecemos, financeiro.

Transmutação da terra em mercadoria

No processo de transformação da riqueza natural em objetos da riqueza humana, a fonte é sempre a terra e a natureza que a acompanha (Marés, 2003: 181). Aquilo que chamamos terra é um elemento da natureza inexplicavelmente entrelaçado com as instituições do homem. Isolá-la e com ela formar um mercado foi talvez o empreendimento mais fantástico dos nossos ancestrais (Polany, 2000: 214).

A ideia de apropriação individual, exclusiva e absoluta de uma gleba de terra não parte nem histórica e nem geograficamente de um contexto comum entre países, ao contrário, é uma construção humana recente, despertada com a formação dos Estados Modernos, do mercantilismo e da Revolução Francesa, e portanto, das reações conjecturais que esses fatos provocaram em cada dimensão territorial.

O assunto propriedade e terra, já era discutido a muitos anos por filósofos e políticos do inicio do século XVI até o XIX. Alguns deles são: Lutero, Calvino, Bodin, Hobbes, Maquiavel, Locke, Rousseau, Montesquieu e Morus. (Marés, 2003: 21).

SãoTomás de Aquino, forte representante do pensamento da Igreja Católica, se coloca como defensor dos interesses da humanidade, principalmente na questão da função social da propriedade, abordando o direito de propriedade em seu artigo “Suma Teológica”, sob três aspetos. No primeiro aspecto, considera a propriedade privada como direito natural, sendo que a lei humana será diretamente válida quando derivar de uma lei natural. Em um segundo plano, o homem tem sua natureza de ser racional, deveria refletir acerca de sua sobrevivência, o qual cabe a este o direito de apossar de bens materiais, logo, a terra. Em um último aspecto, seria permitido seu condicionamento em relação à terra, ou seja, sua propriedade em razão de um momento histórico de cada povo. Sendo ainda que a propriedade privada somente será justificada se for produtiva (Marés, 2003: 21).

Na Idade Média, a manifestação do direito de propriedade foi desmembrada em dois prismas: o directum e o utile. Neste sistema social, o proprietário das terras - o suserano, titular do directum - cedia a posse de parte de seu domínio ao vassalo, que exerceria o utile, e tornar-se-ia algo que hoje, sob a lente lapidada de Ihering (apud Marés, 2003:181), chama-se possuidor direto. Por sua vez, este poderia também transferir parte da sua a outro, conformando-se, destarte, uma "complicada trama de interdependências jurídicas".

Já na Idade Moderna, John Locke, foi o grande pensador da propriedade contemporânea, analisou a sociedade em mutação e organizou a defesa teórica da propriedade burguesa absoluta. Até Locke, a civilização cristã entendia a propriedade como utilidade, a partir dele e na construção capitalista, passa ela ser um direito subjetivo independente.

Nessa perspectiva, Locke afirma que o direito de propriedade se restringe ao uso, entretanto tudo que exceda ao utilizável será do outro. Mas esse excedente não utilizável, para ser dado ao outro, deverá ser deteriorável, assim não é a falta de uso que descaracteriza a propriedade, mas a possibilidade que se ponha em deterioro. Analisando o excedente, ele sustenta que o mesmo é possível, desde que não seja deteriorável, mas mesmo o sendo, poderá ser acumulado e trocado por bens não corruptíveis, como o dinheiro e ouro. Com essa ideia, Locke justifica a acumulação capitalista, reconhecendo que a propriedade pode ser legitima e ilimitada se transformada em capital.

E ainda, o mesmo autor entende que a origem ou o fundamento da propriedade surge a partir do trabalho humano, uma vez que a possibilidade de acumulação está diretamente relacionada com a possibilidade de adquirir/comprar trabalho alheio. Assim, a única propriedade legitima é a produzida pelo trabalho. Tal ideia, foi a base da ideia de Adam Smith que fundou a economia política e depois de Marx, que estuda o trabalho como medida de valor das mercadorias.

Logo, a propriedade teve sua primeira conceituação na Declaração do Homem e do Cidadão (apud Mascarenhas, 2008: 93), adotada na França no ano de 1789. Conforme estabelecido no artigo 17 dessa declaração, a propriedade era considerada um direito inviolável e sagrado.

Procurando romper a forte tendência ao individualismo, Augusto Comte (apud, Mascarenhas, 2008: 93) assim tratou a ligação existente entre todos os seres humanos: “Tudo nos pertence, portanto, à Humanidade, porque tudo nos vem dela". Leon Duguiit (apud, Mascarenhas, 2008: 93), inspirado na doutrina do filosofo positivista Augusto Comte, apresentou um conceito jurídico institucional de propriedade, que exerce as funções de satisfazer as necessidades particulares de seu possuidor e as necessidades sociais da coletividade. O proprietário tem assim o poder de fazer uso de seus bens e riquezas conforme os seus interesses e necessidades e o dever de adequar o seu uso aos interesses e necessidades da coletividade.

A evolução conceitual da propriedade, como direito, passou por diversas fases, em função de diferentes doutrinas. Com o Código de Napoleão, ganhou caráter de direito absoluto, o que influenciou muitos códigos civis, inclusive o do Brasil. Marx chegou a preconizar a coletivização dos bens, por considerar a propriedade privada a causa maior das injustiças sociais. Mas foi com Duguit, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço a ideia de que a propriedade era, em si, uma função social, para ele a propriedade não era um direito subjetivo, mas a subordinação da utilidade de um bem a um determinado fim, conforme o direito objetivo (Marques, 2011: 35).

No período Contemporâneo, arraigado no capitalismo como se conhece atualmente, a propriedade ficou limitada ao contrato, sendo conceituada como o produto do encontro de duas vontades na qual uma transfere a outra o que era legitimamente seu. A partir daí a discussão jurídica capitalista ficou limitada sobretudo ao contrato, a autonomia da vontade, a fraude de credores, aos direitos de terceiros, as formalidades contratuais, sucessões e herança.

Diante de todo o exposto, observa-se que a lógica da propriedade da terra foi profundamente alterada: de produtora de bens de imediato consumo para quem a trabalhava, a produtora de bens que pudessem ser transformados e aproveitados pela industria, que disso faria não bens consumíveis ou corruptíveis, mas capital infinitamente acumulável. Assim, o desenvolvimento da concepção de propriedade atual foi sendo construída com o mercantilismo (Marés, 2003: 17).

Assim, a terra e seus frutos passaram a ter proprietários, um direito excludente, acumulativo e individual, mesmo quando assume a função social, já que essa é mais teórica que realidade. Logo, a terra como direito de propriedade independente de produção ou uso é criação do capitalismo.

Como se vê, o conteúdo da propriedade da terra sugere algumas interpretações: pode ser entendido como mera mercadoria; como meio de produção capitalista (capital); como provedora da vida humana e animal; como a argamassa cultural das sociedades (Marés, 2003: 189).

A terra, portanto, quando entra no mundo do patrimônio privado deixa de ser uma utilidade para ser apenas um documento, um registro, uma abstração, um direito. O aproveitamento da terra ganha, juridicamente, outros nomes, uso, usufruto, renda, assim como a ocupação física é chamada de posse. A terra deixa de ser terra e vira propriedade (Marés, 2003: 45).

Todavia, a aplicação concreta da propriedade e da função social continuam sendo julgadas pelos Tribunais e compreendida pelos Administradores da coisa pública como se ainda sua ideia mestra fosse à velha Constituição Portuguesa de 1822 que dizia ser a propriedade "o direito sagrado e inviolável de se dispor à vontade de todos os bens" (Marés, 2003: 56).

A sustentabilidade na constituição federal brasileira e os novos avanços legislativos na Bolivia e no Equador

Talvez a definição mais comum de sustentabilidade tenha evoluído da descrição de desenvolvimento sustentável feita pela Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas: "Atender às necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de futuras gerações de atender às próprias necessidades" (Leonard, 2011: 28).

Para melhor elucidação, dar-se-á outro conceito de sustentabilidade, que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras (Mascarenhas, 2008: 85).

E ainda, como define o astrofísico e escritor Robert Giman (apud, Leonard, 2011: 28), "sustentabilidade é igualdade ao longo do tempo". Ela deve se estender ao mundo inteiro, e não apenas algumas florestas.

A legislação brasileira quanto à temática ambiental tem buscado caminhos com vistas a edificar o desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, é expressiva a importância advinda do histórico ambiental nas Constituições brasileiras.

A primeira Constituição Brasileira, de 1824, não fez menção a qualquer matéria na esfera ambiental. Notabiliza-se que nesse período, o Brasil era um país exportador de produtos agrícolas, contudo o interesse quanto a esses produtos era apenas econômico.

A Constituição de 1891, abordou apenas a competência da União para legislar sobre minerais e terras, não tendo nenhum cunho preservacionista.

Na Constituição de 1934, trouxe algumas inovações como a separação das riquezas do solo e das quedas d’água, visando tão somente regulamentar a exploração e aproveitamento da propriedade. Dispôs ainda sobre a proteção às belezas naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural e estabeleceu a competência da União em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e suas respectivas explorações.

A Carta Constitucional de 1937 demonstrou preocupação em relação aos monumentos históricos, artísticos e naturais. Atribuiu a competência da União para legislar sobre minas, águas, florestas, caça, pesca, subsolo e proteção das plantas e rebanhos.

Na Carta Magna de 1946 não houve alterações.

Na década de 1960, o mundo já começava a preocupar-se com a questão ambiental, no entanto, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1/69 não trouxeram progressos nessa área, apresentando apenas dispositivos semelhantes aos contidos nas constituições anteriores.

A Constituição Federal brasileira trouxe grandes inovações na esfera ambiental, sendo tratada por alguns como Constituição Verde, apresentando no capitulo VI, do titulo VIII (Da Ordem Social), mecanismos para proteção e controle do meio ambiente.

Como se percebe, o texto constitucional do Artigo 225 da Constituição Federal consagrou o principio do desenvolvimento sustentável ao garantir o direito e dever ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a toda coletividade, além de possuir caráter intergeracional, pois não visa resguardar apenas os interesses da geração atual, mas também das futuras gerações.

Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado um terceiro gênero, uma vez que não se enquadra na esfera pública ou privada, já que trata de um direito difuso, ou seja, que transcende o indivíduo e ultrapassa a esfera de direitos e obrigações de caráter individual, além de não se vincular a ninguém especificamente.

Sobreleva-se que os recursos naturais que antes eram considerados res nullius, atualmente tornaram-se bens públicos, tutelados no Código Civil e classificados como de uso comum do povo, de uso especial e bens dominicais. Entretanto, Jose Afonso da Silva (2003: 84) afirma que os bens ambientais não se enquadram como públicos ou particulares, mas constituem uma nova modalidade de bens, dotados de um regime especial.

Esse artigo constitucional prevê dupla perspectiva para o meio ambiente equilibrado, o qual constitui direito, mas também, dever do Poder Público e de toda coletividade.

Acentua-se que o § 4º do artigo em comento, não inclui entre os patrimônios nacionais o Cerrado nem a Caatinga, fato extremamente controverso, já que estudos indicam que o Cerrado possui uma rica biodiversidade, principalmente quanto aos recursos hídricos, pois nele nascem águas que formam as três grandes bacias brasileiras (Mascarenhas, 2008: 82).

Note de bas de page 1 :

Site da Câmara dos Deputados < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483817>.

Diante da lamentável situação jurídica do Cerrado, foi elaborada uma Proposta de Emenda Constitucional, objetivando elevar o Cerrado a Patrimônio Nacional - PEC 115/95, que esse ano completaria 23 anos. Com a inclusão da Caatinga na proposta em 2010, ela passou para PEC n. 504/2010. O Senado já aprovou o texto da PEC n. 504/2010, publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 04 de Agosto de 2010. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, também já se posicionaram de forma favorável à admissibilidade da proposta. Agora, todas as propostas restam prontas para a pauta em Plenário, para a discussão em primeiro turno, sob o Regime de Tramitação Especial, porém a última ação legislativa é de 24/10/2017 e consta como “matéria não apreciada em face do encerramento da Sessão”. Atenta-se para o fato de que essa ação legislativa vem sendo a mesma desde 23/04/20141.

Ressalta-se que o Título VII da Constituição Federal, que trata da Ordem Econômica e Financeira, traz em seu artigo 170, a interação entre desenvolvimento econômico, sustentabilidade e dano ambiental.

Com o presente artigo, a defesa do meio ambiente alça a condição de princípio da ordem econômica, objetivando uma mudança no padrão de acumulação de capital e do crescimento econômico, a fim de que se alcance o desenvolvimento sustentável, reforçando a importância da avaliação do impacto ambiental no processo de produção (Mascarenhas, 2008: 84).

A inclusão do princípio da defesa do meio ambiente na ordem econômica evidencia que, para o legislador, o desenvolvimento não pode estar dissociado da proteção ambiental. Deve-se lembrar que o desenvolvimento econômico sempre gera algum tipo de impacto ao meio ambiente, porém, deve-se buscar formas para que esse impacto seja o menor possível, bem como devem existir medidas para compensá-lo (Mascarenhas, 2008: 84).

O Artigo 225 da Constituição Federal brasileira, impreterivelmente foi um avanço; porém, já não traz consigo o necessário para a efetiva concretização da sustentabilidade, principalmente, quando contrastado com os avanços ambientais das novas Constituições da Bolívia e do Equador.

As duas mais recentes Constituições promulgadas na América Latina – Equador (2008) e Bolívia (2009) –, trazem expressas em seus tex­tos um moderno reconhecimento da na­tu­reza como sujeito de direitos, assim entendido como aquele a quem a lei, em sentido amplo, atribui direitos e obrigações.

Encontra-se em ambas as legislações um surpreendente deslocamento da visão do homem como o centro do universo. O novo paradigma jurídico dos textos legislativos tem como ideia central a garantia de que a natureza, ou Pachamama (“mãe-terra”, na língua ancestral dos povos originais da região), não pode mais ser considerada como objeto de livre disposição do homem, e sim em nível de igualdade com este, por fazerem parte do mesmo todo.

Segundo o jurista Zaffaroni (p. 2), a discussão de qual posição os humanos querem assumir em relação à natureza abre uma nova fase do constitucionalismo global. Até agora encarada no mesmo nível que as coisas tangíveis do direito civil, a mudança do paradigma permite trabalhar em uma nova linha de “respeito à dignidade da natureza”.

Note de bas de page 2 :

James Lovelock químico inglês, ao formular a Teoria de Gaia, inaugurou um contraponto marcante a essa perspectiva, afirmando a existência de uma complexa teia de inter-relações entre meio e biota e, portanto, negando a mera adaptação da vida ao ambiente (...) em nossa visão, Gaia deve ser tratada sistematicamente como uma teoria, e não como hipótese. Assim, procuramos usar sempre a expressão “teoria Gaia”, restringindo o emprego da “hipótese Gaia” às citações de outros autores, como é o caso de Lovelock. Gaia é uma teoria sobre o funcionamento do sistema Terra com vida abundante, entendido como um sistema cibernético no qual o acoplamento dos organismos e de seu ambiente é tão forte que influenciou e influencia substancialmente a evolução das condições físico-químicas do planeta, com efeitos não apenas estabilizantes (homeostase ambiental), mas também desestabilizantes (Veiga, et al., 2012: 56).

Contra este modelo civilizatorio, el nuevo constitucionalismo latinoamericano opta por proclamar una convivencia de todos los seres vivientes dentro de la tierra, denunciando coyunturalmente al fundamentalismo de mercado de las últimas décadas del siglo pasado, aunque desde una perspectiva mucho más amplia y universal
(...) De este modo, Gaia2, que entre nosotros se llama Pachamama y no llega de la mano de elaboraciones científicas, sino como manifestación del saber de la cultura ancestral de convivencia con la naturaleza, se incorpora al derecho constitucional como otro aporte Del constitucionalismo latinoamericano al universal, así como en Querétaro –en 1917- se inauguró nada menos que constitucionalismo social en la Constitución Mexicana, ridicularizada por los intelectuales de su época, la inclusión de los derechos sociales fue adoptada años más tarde en Europa (Zaffaroni, p. 2).

A ideia da natureza como sujeito de direitos ainda não assumiu forma na Constituição brasileira, que continua a ver a natureza como um direito coletivo, ou seja, bem de todos. Desse modo, ela permanece sendo usada como objeto, apesar de tal uso ser restringido ao modo sustentável.

Conclusão

Com o passar dos anos, a natureza adquiriu variados significados, esses condicionados ao seu uso, domínio e apropriação, alvos diretos da lógica capitalista, que a dimensiona como simples utilidade (natureza objeto, natureza mercado).Tal significado apesar de ter como marco histórico a segunda Revolução Industrial, vem até os dias de hoje agravando-se, diante de um comércio super lucrativo, cuja a rotatividade de matérias primas e espaços ecológicos ultrapassam o ideal a sobrevivência.

De modo acertado, pode-se afirmar que estamos em meio a uma crise ambiental, emersa em institutos consagrados pela e para a nova forma de capitalismo global, tais como o dinheiro, a globalização, corporações, massificação da produção, o imperialismo econômico, o consumismo e a busca pelo lucro incessante, os quais, dificilmente se desvincularão do Estado e da sociedade presente, sem causar uma grande desordem na estrutura societária.

O impacto do capitalismo nos bens ambientais é nítido quando se analisa a progressão das concepções de terra, já que essa acompanhou a evolução da economia de mercado, como também conduziu diversos pensamentos filosóficos a cerca da propriedade da terra, da força de trabalho e de valia dos bens ambientais, ao mesmo tempo que atrela valores comportamentais aos serres humanos, o que culminou em pensamentos extremamente individualistas, daí emerge a propriedade privada- senhora dos nossos objetivos.

Diante do contexto de incertezas e disputas para manter a proteção as legislações ambientais, vislumbrar nas inovações conceituais dos legisladores andinos e sua construção política e filosófica sobre a natureza como sujeito de direitos na Constituição Federal dos países já citados, vem se propondo como um sopro de esperança a maior efetividade na preservação ambiental.

Todavia, é lamentável a permanência da inércia da legislação constitucional e ambiental brasileira em não positivar a ideia latino-americana, mesmo que já se encontre em grupos de estudos e autores o interesse quanto ao tema. Assim, ainda é preferível no âmbito legislativo, continuar insistindo num modelo de sustentabilidade, a todo tempo citado nas leis, porém já desacreditado e ineficaz.