Interculturalidade e educação: uma reflexão sobre as políticas multiculturais de educação Interculturality and education: a reflection on multicultural education policies

Pãmella da Silva Aranda 
y Ana Maria de Vasconcelos Silva 

https://doi.org/10.25965/trahs.1634

A crescente importância das migrações internacionais no contexto da globalização tem sido objeto de estudo de um número expressivo de contribuições, de caráter teórico e empírico, que apontam para sua diversidade, seus significados e suas implicações. Parte dessas contribuições se volta à reflexão das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais em andamento no âmbito internacional, especialmente, a partir de 1990, no contexto da crise econômica mundial e das reformas neoliberais, o tema da diversidade cultural protagoniza o centro das principais discussões nos debates políticos e sociais, na definição de políticas públicas, publicações e nas escolas. Este trabalho tem por objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada através do Programa de Iniciação Científica - PIBIC- Ciclo 2017-2018, sob o título “Interculturalidade e educação na fronteira”, objetivando realizar estudos de trabalhos publicados entre 2006-2016, na base de dados SCIELO- (Scientific Eletronic Library Online), sobre o tema interculturalidade. Este projeto está vinculado ao projeto de pesquisa “Migrações, direitos humanos e políticas públicas em contextos de desigualdade social”. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. A coleta de dados foi realizada através do portal da base de dados SCIELO. Os resultados sinalizam para uma perspectiva da interculturalidade crítica, que visa não apenas a formação da cidadania aberta e interativa, mas também promover uma educação para reconhecimento do outro e para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais.

L’importance croissante des migrations internationales dans un contexte de globalisation a fait l’objet d’études et d’un nombre important de contributions à la fois théoriques et empiriques, qui soulignent leur diversité et leurs implications. A partir de 1990, au Brésil, dans un contexte de crise économique mondiale et de réformes néo-libérales, le thème de la diversité culturelle a été au centre des discussions dans les débats politiques et sociaux, dans la définition des politiques publiques et au sein des écoles. Notre projet a pour but de présenter le résultat d’une recherche bibliographique à partir de travaux réalisés entre 2006 et 2016 sur le thème de l’interculturalité, depuis la base de données Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). Elle se situe dans le cadre du PIBIC - cycle 2017-2018, et a pour titre "Interculturalité et éducation à la frontière". Ce projet est lié à un projet de recherche intitulé “Migration, droits de l'homme et politiques publiques en contextes d'inégalité sociale”. Les résultats obtenus soulignent une perspective interculturelle critique à partir d’une formation à une citoyenneté interactive, et la promotion d’une éducation à la reconnaissance de l’autre et au dialogue entre les différents groupes sociaux et culturels.

La creciente importancia de las migraciones internacionales en el contexto de la globalización ha sido objeto de estudio de un número expresivo de contribuciones, de carácter teórico y empírico, que apuntan a su diversidad, sus significados y sus implicaciones. Parte de estas contribuciones se vuelve a la reflexión de las grandes transformaciones económicas, sociales, políticas, demográficas y culturales en marcha en el ámbito internacional, especialmente a partir de 1990, en el contexto de la crisis económica mundial y de las reformas neoliberales, el tema de la diversidad cultural protagoniza el tema centro de las principales discusiones en los debates políticos y sociales, en la definición de políticas públicas, publicaciones y en las escuelas. Este trabajo tiene por objetivo presentar el resultado de una investigación bibliográfica realizada a través del Programa de Iniciación Científica - PIBIC - Ciclo 2017-2018, bajo el título "Interculturalidad y educación en la frontera", con el objetivo de realizar estudios de trabajos publicados entre 2006-2016, base de datos SCIELO- (Scientific Eletronic Library Online), sobre el tema interculturalidad. Este proyecto está vinculado al proyecto de investigación "Migraciones, derechos humanos y políticas públicas en contextos de desigualdad social". La metodología utilizada fue la investigación bibliográfica. La recolección de datos se realizó a través del portal de la base de datos SCIELO. Los resultados señalan a una perspectiva de la interculturalidad crítica, que apunta no sólo a la formación de la ciudadanía abierta e interactiva, sino también a promover una educación para el reconocimiento del otro y para el diálogo entre los diferentes grupos sociales y culturales.

The growing importance of international migration in the context of globalization has been the object of a study of a significant number of contributions, both theoretical and empirical, that point to its diversity, its meanings and its implications. Some of these contributions focus on the great economic, social, political, demographic and cultural transformations in the international arena, especially since 1990, in the context of the global economic crisis and neoliberal reforms, focus of the main discussions in political and social debates, in the definition of public policies, publications and in schools. The objective of this work is to present the results of a bibliographical research carried out through the Program of Scientific Initiation - PIBIC - Cycle 2017-2018, under the title "Interculturality and education at the frontier", aiming to carry out studies of works published between 2006-2016, in Scientific Electronic Library Online (SCIELO), on the theme interculturality. This project is linked to the research project "Migrations, human rights and public policies in contexts of social inequality". The methodology used was the bibliographic research. Data collection was performed through the portal of the SCIELO database. The results point to a critical intercultural perspective, which aims not only to create open and interactive citizenship, but also to promote an education for the recognition of the other and for the dialogue between different social and cultural groups.

Índice

Texto completo

Introdução

A crescente importância das migrações internacionais no contexto da globalização tem sido objeto de estudo de um número expressivo de contribuições, de caráter teórico e empírico, que apontam para sua diversidade, seus significados e suas implicações. Parte dessas contribuições se volta à reflexão das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais em andamento no âmbito internacional, especialmente, a partir dos anos de 1990, no contexto da crise econômica mundial e das reformas neoliberais. O tema da diversidade cultural protagoniza o centro das principais discussões nos debates políticos e sociais, na definição de políticas públicas, nas publicações e nas escolas.

As transformações ocorridas nos processos sociais envolvidos nos fluxos de pessoas entre países, regiões e continentes passam pelo reconhecimento de que estão envolvidas em fenômenos distintos, com grupos sociais e implicações diversas.

Nas últimas décadas na área de educação a questão da diversidade cultural, tem sido amplamente abordada como um elemento do combate aos preconceitos de gênero, raça, religião e padrões culturais. Carvalho e Faustino (2016) atribuem a este fenômeno as ações e articulações dos organismos e agências internacionais, especialmente da Organização para a Educação e Cultura das Nações Unidas (Unesco), expressos nos documentos que vêm orientando as políticas públicas.

No campo educacional, visando a construção do consenso, os documentos “Recomendacion de la Cuarta Reunion Regional Intergubernamental del Projeto Principal de Educacion em America Latinay el Caribe” (1993), o Relatório Delors (1996), o texto Construindo um futuro comum: educando para a integração na diversidade (2002), advogam uma política de reconhecimento e de respeito as diferenças étnicas, sociais e culturais na escola (Carvalho & Faustino, 2016).

Neste sentido, Faustino (2006) chama a atenção para a concepção e origem desta política internacional de inserção e fortalecimento da diversidade cultural na educação, pois, situa-se no contexto da crise econômica do sistema capitalista, nos anos de 1970, e da adesão das economias centrais – Estados Unidos e Inglaterra – ao projeto neoliberal no início dos anos 1980.

Para Walsh (2010), as reformas educativas da década de 1990 foram concebidas e alinhadas para atender à nova ordem multicultural do capitalismo global, portanto a proposta de interculturalidade é baseada numa perspectiva funcional. Ou seja, a interculturalidade se baseia no reconhecimento da diversidade e das diferenças culturais, com propostas de inclusão na estrutura social estabelecida, buscando o diálogo, a tolerância e a convivência. Ou seja, a interculturalidade é funcional ao sistema existente, não se questiona as causas das assimetrias e das desigualdades sociais, estabelecendo uma relação de compatibilidade com a lógica do modelo neoliberal. Dessa forma, o reconhecimento da diversidade cultural se revela em uma nova estratégia de dominação e, segundo Walsh (2008), que:

[...] apunta no a lacreación de sociedades más equitativas e igualitarias, sino al control del conflicto étnico y la conservación de la estabilidad social con el fin de impulsar los imperativos económicos del modelo (neoliberalizado) de acumulación capitalista, ahora incluyendo a los grupos históricamente excluido sensu interior. (Walsh, 2008:20)

Nessa perspectiva, Walsh (2008) faz uma crítica às formulações teóricas multiculturais que não questionam as bases ideológicas do Estado-Nação, partem de lógicas epistêmicas eurocêntricas, e, no campo educacional, sob o pretexto de incorporar representações e culturas marginalizadas, apenas reforçam os estereótipos e os processos de representações, culturas marginalizadas e coloniais de racialização. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar o resultado de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema Interculturalidade.

1. Materiais e Métodos

Este estudo se fundamentou na metodologia da abordagem qualitativa de pesquisa e trilhou os caminhos da investigação bibliográfica. A pesquisa bibliográfica pressupõe um conjunto ordenado de procedimentos de busca de soluções, com foco no objeto de estudo, assim, não pode ser aleatório, pois, esse tipo de pesquisa exige vigilância epistemológica, de observação e atenção na escolha e desdobramento dos procedimentos metodológicos (Lima & Mioto, 2007). A pesquisa bibliográfica “vai além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles existente” (Lima & Mioto, 2007: 45).

Para o tratamento de dados foi utilizado o método Bardin (2004), por meio da análise de conteúdo, que compreende três fases: pré-análise, exploração do material e o tratamento dos resultados, utilizando a inferência e a interpretação.

Na pré-análise, fase da organização e sistematização da proposta inicial, ou seja, seleção do material e leitura flutuante, inicia-se a busca de publicações no banco de dados do portal SCIELO. Trata-se de uma biblioteca eletrônica que contém artigos completos de revistas científicas brasileiras de áreas diversas. Integra um projeto da FAPESP ― Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo ― em associação com a BIREME ― the Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information.

Desta forma, foi delimitado o período de busca de publicação de 2006 a 2016. Para a seleção do material foram utilizados como descritores os termos “interculturalidade”, “interculturalidade e educação”, “educação multicultural” e “educação intercultural”.

Inicialmente, foram pré-selecionados os artigos cujos títulos continham os seguintes termos: Cultura(s), Multicultura; Plurilinguismo; Diferenças Culturais; Imigrante e contexto educativo; Escola de Fronteira e Fronteira. Após esse processo, foram realizadas as leituras dos resumos com objetivo de selecionar os artigos diretamente relacionados ao tema objeto da pesquisa, ou seja, interculturalidade.

2. Resultados e Discussões

Na busca por títulos foram localizados 53 artigos. Distribuídos da seguinte maneira: quando a busca foi realizada com o descritor interculturalidade foram obtidos 41 artigos; para o descritor Interculturalidade e educação 04 artigos e com o descritor “Educação Intercultural” foram registrados 08 artigos. Com o descritor “Educação Multicultural” nenhum artigo foi registrado nesse período. Após leitura dos resumos foram selecionadas as produções cujos temas estavam diretamente relacionados com a proposta da pesquisa. Assim, foi identificado um total de 26 produções. No entanto, para elaboração deste texto foram selecionados artigos que abordam políticas multiculturais de educação. Para tanto, serão analisados os trabalhos de Polianne Delmondez & Lucia Helena Cavasin Zabotto Pulino (2014); Alice Happ Botler (2012); Nuno Oliveira (2015) e Vera Maria Candau (2008).

As autoras Delmondez & Pulino (2014), com base na abordagem dos estudos culturais analisam a educação escolar indígena, mediante as concepções de identidade e de diferença, para compreender como as políticas multiculturais de educação vêm sendo concebidas e praticadas historicamente no Brasil.

As autoras relembram Woodward (2007) e Hall (2007) posicionam os conceitos de identidade e diferença de modo a pensar que a identidade é produzida pela marcação de traços das diferenças em níveis simbólico, social e subjetivo, cada traço ou sinal é produto de inscrições simbólicas e representacionais. As culturas são os lugares nos quais os sistemas classificatórios são estabelecidos para que os indivíduos deem sentido ao mundo e possam construir significados (Delmondez & Pulino, 2014).

Para Delmondez, & Pulino (2014) o conceito de interculturalidade é a transição, a mediação e o diálogo entre diferenças. O interculturalismo abre espaço para a negociação e a tradução entre as diferenças culturais, pois concebe as sociedades como estando em constantes e intensos processos de hibridização cultural. Ademais, a ideia de interculturalidade leva em consideração a diferença e a desigualdade situadas na sociedade e as relações de poder que atravessam as dinâmicas culturais.

O trabalho de Botler (2012) tem por objetivo identificar implicações das políticas multiculturais na educação e na escola. Apresentam resultados parciais de investigação pautada em estudo de caso numa escola pública de ensino médio canadense, considerada, de elevado padrão de qualidade de vida e de respeito aos direitos humanos, a partir de uma leitura descontinuista da história. A autora esclarece que a escolha do Canadá como universo de análise foi por sua formação populacional multicultural e multirracial. Esta mesma pesquisa foi realizada no Brasil, resguardadas as devidas particularidades de cada sociedade.

Para entender a questão do enfrentamento das políticas educacionais quanto ao multiculturalismo no Canadá, Botler (2012) analisa alguns dados relativos à diversidade étnico-cultural que tornou o Canadá reconhecido internacionalmente como um dos países mais multiculturais do mundo. A mistura de populações (etnias e nacionalidades) teve origem principalmente nos fluxos migratórios decorrentes da Segunda Guerra Mundial, em que os migrantes, que seriam temporários, ficaram nos países hospedeiros, e mais e mais crianças, inclusive nascidas nestes países foram entrando nas escolas, o que se tornou uma questão política mais ampla.

A classificação de grupos adotada pelo Instituto de Estatística do Canadá baseia-se nas minorias visíveis relacionadas às procedências. São caracterizados 13 grupos: chineses, sul-asiáticos, pretos, filipinos, latino-americanos, sudeste-asiáticos, árabes, oeste-asiáticos, coreanos, japoneses (Botler, 2012).

Nesta circunstância, a segregação de filhos de migrantes foi tomada como objeto de atenção na busca da promoção do entendimento internacional e da igualdade de oportunidades de acesso às facilidades educacionais e a oferta de aquisição da língua e cultura dos países de origem para filhos de migrantes. Assim, Botler (2012), aponta para a diferença do que ocorreu no Brasil, que apenas recentemente os diferentes segmentos da população vêm sendo objeto de políticas públicas. O bilinguismo foi apontado como possível solução para assegurar a garantia de direitos e reconhecimento das diferenças. Porém, tudo isso, contraditoriamente, trouxe incoerências inerentes à própria interculturalidade, ao bilinguismo e ao antirracismo.

Botler (2012) destaca ainda que a política educacional canadense é organizada pelos ministérios de Educação das províncias, considerando as primazias das diferentes ondas de colonização e suas respectivas heranças culturais, denotando a política multicultural e pluralista. Esta política incide sobre as chamadas minorias, que tem suas identidades de origem territorial, racial, étnica e religiosa, mantidas e asseguradas, além da cidadania canadense.

Segundo Botler (2012) os dados coletados na escola parecem confirmar que, entre os resultados da política educacional multicultural canadense, há segregação, apesar dos bons indicadores educacionais do país. Os dados desvelam algumas contradições das políticas multiculturais que, apesar de bem-intencionadas, são assentadas em fundamentos equivocados para a real promoção de políticas educacionais de igualdade social.

Em relação ao Brasil, Botler (2012) pondera que o sistema educacional nacional, ao contrário do Canadá, estabelece normas globais sobre as quais os estados e municípios devem se fundamentar. Esta política é adotada na perspectiva de assegurar um padrão mínimo de direitos e deveres no quesito educação para todos os brasileiros, independente de credo, etnia, origem, o que de acordo com a autora poderia se chamar de respeito ao multiculturalismo. E conclui que a política educacional multicultural não assegura mais democracia.

De forma análoga, Oliveira (2015) usa os conceitos de identidade narrativa e configuração relacional para compreender as diferentes formas como os Estados organizam os reconhecimentos coletivos e as suas gramáticas institucionais. Como também identificar e caracterizar várias configurações relacionais que respaldaram as pertenças coletivas ao longo da história recente.

O autor faz uma comparação entre Portugal e Brasil balizada nesse período pela emergência do discurso luso tropical em Portugal e, no contexto brasileiro, a institucionalização da narrativa da mestiçagem. Tanto o luso tropicalismo como o discurso cultural da mestiçagem foram narrativas que fixaram as identidades nacionais de Portugal e Brasil.

Oliveira (2015) explica que em 1990, “o Ministério da Educação de Portugal exigia o fim da homogeneização cultural e [da] assimilação, sugerindo a passagem da cultura à multicultura operada pela e na educação intercultural”. A linguagem programática da interculturalidade decorria, em rigor, de uma auto definição do sistema educativo enquanto sistema em progressiva e necessária democratização. Paralelo a isso se amplia os direitos dos imigrantes nas diversas esferas sociais, e o consequente alargamento da sua cidadania. Assim, no início do século XXI surge um discurso defensor do multiculturalismo por parte do órgão central responsável pela política de integração, o alto comissário.

Desta forma, a interculturalidade assume-se enquanto discurso a privilegiar por parte das autoridades públicas, obedecendo a uma progressiva recusa de identificações étnicas fortes (Oliveira, 2015).

Segundo Oliveira (2015), o multiculturalismo no Brasil surge como um projeto social nas duas últimas décadas do século XX. A tendência brasileira decorre da dinâmica de consolidação de políticas orientadas para o combate à discriminação racial que têm por base um reconhecimento simbólico e prático da importância da raça como critério quer de direitos, quer de exclusão.

Oliveira (2015) afirma ainda que essa horizontalização cultural que o interculturalismo implica e é a outra face de uma despolitização ativa que recorta o campo de ação das associações enquanto necessariamente cultural. Assim, do ponto de vista de uma interculturalidade crítica, esta interculturalidade estatizada não promove a transformação.

Nesta perspectiva, Candau (2008) apresenta a problemática do multiculturalismo como uma questão polêmica na atualidade. Para a autora uma das características fundamentais das questões multiculturais é o fato de estarem atravessadas pelo acadêmico e o social, a produção de conhecimentos, a militância e as políticas públicas. Ressalta que o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no âmbito acadêmico em geral, mas sim, das lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos de uma cidadania plena, os movimentos sociais, especialmente os relacionados às questões étnicas e, entre eles, de modo particularmente significativo, os relacionados às identidades negras, que constituem o locus de produção do multiculturalismo.

Para Candau (2008) o primeiro passo para reflexão nessa direção é distinguir duas abordagens fundamentais: uma descritiva e outra prescritiva.

A descritiva afirma que o multiculturalismo é uma característica das sociedades atuais. Assegura ainda, que as configurações multiculturais dependem de cada contexto histórico, político e sociocultural. Assim, o multiculturalismo na sociedade brasileira é diferente daquele das sociedades européias ou da sociedade estadunidense. Desta forma, enfatizam-se a descrição e a compreensão da construção da formação multicultural de cada contexto específico. Já a perspectiva prescritiva compreende o multiculturalismo como uma maneira de intervir e de transformar a dinâmica social. A construção de uma sociedade multicultural se dá a partir de determinados parâmetros.

Candau (2008) explica três perspectivas que estão na base das diversas propostas: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, também denominado interculturalidade. Portanto a abordagem assimilacionista parte do princípio de que vivemos numa sociedade multicultural, no sentido descritivo. Nessa sociedade não existe igualdade de oportunidades.

Em tal perspectiva, Candau (2008) assegura que uma política assimilacionista – Perspectiva prescritiva – favorece a integração na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. Todavia, não se muda a matriz da sociedade, buscam-se assimilar os grupos marginalizados e discriminados aos valores, mentalidades, conhecimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica. Neste sentido, a educação promove uma política de universalização da escolarização, mas não coloca em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, nos conteúdos curriculares, nas relações entre os diferentes atores, nas estratégias utilizadas nas salas de aula, e nos valores privilegiados etc.

A segunda concepção é denominada multiculturalismo diferencialista. Essa concepção entende que quando se enfatiza a assimilação se termina por negar a diferença ou por silenciá-la, e tem como proposta colocar ênfase no reconhecimento da diferença. Acredita que só desta maneira os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base. É enfatizado o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, é estimulada a formação de comunidades culturais homogêneas com suas próprias organizações – bairros, escolas, igrejas, clubes, associações etc. (Candau, 2008).

Essas duas abordagens são as mais desenvolvidas nas sociedades contemporâneas. Em geral, são focos nas polêmicas sobre a problemática multicultural. Entretanto, é na terceira perspectiva que a autora demonstra afinidade, a que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que destaca a interculturalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades, democráticas e inclusivas, que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade (Candau, 2008).

A abordagem intercultural que Candau (2008) defende quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Esta perspectiva está direcionada para a construção de uma sociedade democrática, plural, humana.

Candau (2008) empresta de Catherine Walsh (2001), o conceito de interculturalidade e o descreve como:

[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade. Uma meta a alcançar. (Candau, 2008:10-11)

Neste sentido, o desenvolvimento de uma educação intercultural é uma questão complexa, atravessada por tensões e desafios. Trata-se de ressaltar uma perspectiva alternativa e contra hegemônica de construção social, política e educacional.

Considerações Finais

É de extrema importância conhecer e discutir as implicações das políticas multiculturais na educação e na escola, como também conhecer as concepções e experiências relacionadas pautadas na influência dos padrões histórico-político-culturais sobre as políticas adotadas no sentido da igualdade e da universalização do acesso à educação.

Outro aspecto fundamental é a formação para uma cidadania aberta e interativa, proposta pela interculturalidade crítica, capaz de reconhecer as assimetrias de poder entre os diferentes grupos culturais e de trabalhar os conflitos e promover transformação social. Assim, a humanidade no século XXI, ainda tem a chance de superar os erros do passado.

A construção de um Estado democrático requer não somente o reconhecimento e a proteção da sua diversidade cultural, mas exige também a implantação de mecanismos capazes de garantir às minorias o pleno exercício dos seus direitos fundamentais.