Mulheres refugiadas: reflexões sobre o processo de envelhecimento e o acesso as políticas públicas no Brasil Refugee women: reflections on the aging process and access to public policies in Brazil

Francisca Bezerra de Souza 

https://doi.org/10.25965/trahs.3815

Na última década (2010/2020), se observa a intensificação da mobilidade humana no Brasil, marcadamente de pessoas na condição de solicitantes de refúgio e que se deslocam forçadamente em busca de proteção por perseguição por questões de raça, religião, opinião política, nacionalidade, pertencimento a grupos minoritários, em flagrante e efetiva violação dos direitos humanos. Embora as pessoas na condição de solicitante de refúgio ou refugiadas sejam, na maioria homens, na última década, houve uma transformação no quadro sociodemográfico, podendo assim, se caracterizar um crescimento da população feminina se deslocando, inclusive no Brasil. Segundo o CONARE – Comitê Nacional para Refugiados, em 2019, considerando pessoas venezuelanas, que são o maior número em busca de refúgio no Brasil, 49,0% são homens e 45,1% são de mulheres, sendo que, deste percentual, cerca de 390 são mulheres na faixa etária acima de 60 anos. Considerando que essas mulheres, no processo de deslocamento sofrem violência nos seus vários aspectos, é preciso considerar a necessidade de se discutir as questões ligas ao envelhecimento e as formas de acesso as políticas públicas de atenção as pessoas idosas. Assim, é preciso refletir tanto sobre o acolhimento imediato dessas mulheres, quanto nas questões relacionadas ao processo de envelhecimento, visando prevenir todas as formas de violência, seja cultural, econômica, social, psicológica em busca de oferecer políticas públicas que ofereçam uma vida digna.

In the last decade (2010/2020), there has been na intensification of human mobility in Brazil, especially of people who are oncondition of refugee and are forced to move in serch of protection from persecution for reasons of race, religion, pilotical opinion, nationality or belonging to minority groups in flagrant and effective violation of human rights. Although people in the condition of refugee requester or refugee are in most cases men, in the last decade, there has been a transformation in the socio demographic Picture and thus, it can be characterized as na increase in the female population on the move, including in Brazil. According to CONARE- National Committee for Refugees in 2019, considering Venezuelan people who are the laegest number seeking refuge um Brazil, 49.0% are men and 45.1% are women ando f this percentage about 390 are women over age of 60. Considering that these women in the process of displacement suffer violence in various aspects, we must consider the need to discuss issues related to ageing and forms of access to public policies for the care od the elderly. Thus, it is necessary to reflect both on the ommediate recepton os these women, as well as on issues related to the ageing process, aimd to prevent all forms of violence, cultural, economic, social, psychological in order to offer public policies that offer a dignified life.

Contents

Full text

Note de bas de page 1 :

Autores de la canción: Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho / Marcelo Jeneci Da Silva / Warthon Goncanves Coelho Filho. Letra de Envelhecer © Rosa Celeste

Envelhecer
A coisa mais moderna
Que existe nessa vida é envelhecer
E o tempo vai dizendo que agora é pra valer
Os outros vão morrendo
E a gente aprendendo a esquecer
Não quero morrer, pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer
Eu quero é viver pra ver qual é
E dizer venha pro que vai acontecer.
Fuente: Musixmatch1

Introdução

O número de refugiados no mundo, em 2020, já havia ultrapassado 82 milhões de pessoas (Figura 1), segundo Relatório Global Trens (2020), lançado em junho de 2021 peo ACNUR, indicando que, em comparação com o ano de 2010, foi quase o dobro de pessoas que buscaram refúgio, desse total, os venezuelanos foi a nacionalidade que demandou o maior número em 2018, com 3,6 milhões de pessoas, pois em virtude das condições economicas e políticas daquele país, buscaram proteção internacional, a grande maioria cruzou a fronteira do Brasil, com relatos de sofrimento por deixar seu país, durante o trajeto e na chegada ao país. Sendo que a Síria é o país com o maior número de solicitantes de refúgio, seguido pela Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar, perfazendo um percentual de 68% de todo os refugiados (Global Trends, 2021: 2).

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Notadamente, na última década (2010/2020), se observa a intensificação da mobilidade humana no Brasil, marcadamente de pessoas na condição de solicitantes de refúgio e que se deslocam forçadamente em busca de proteção por perseguição por questões de raça, religião, opinião política, nacionalidade, pertencimento a grupos minoritários, em flagrante e efetiva violação dos direitos humanos que, segundo Ramos (2014), se fundamenta na igualdade, dignidade e liberdade e são fundamentais para a vida humana daqueles que buscam fugir de situações de opressão e violência em seu país de origem.

Embora o Brasil não seja um país que, geograficamente seja um destino de fácil acesso para a maioria dos refugiados, em 2019 contabilizou mais de 82 mil solicitações de refúgio e que, segundo CONARE (2020,) apresenta uma variação positiva de 5.635% se comparado ao ano de 2011, sendo “a maior quantidade de solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, registrada para um único ano, em toda série histórica desde a regulamentação do Estatuto do refúgio pela legislação brasileira (SILVA, 2020: 11).

A violência de gênero é potencializada quando se trata de mulheres, crianças, adolescentes e mulheres idosas no processo de deslocamento, ainda mais se comparar a situação de meninas que vivem em áreas rurais em relação as que vivem em área urbana, visto que tem mais probabilidade de ser submetida a casamentos forçados na infância, o que fatalmente vai acarretar o abandono dos estudos, com isso, terá sua autonomia afetada, sem a capacidade de controlar e decidir sobre sua vida e as chances de escapar de ciclos de violência são fortemente reduzidas.

No decorrer do deslocamento forçado também há a incidência de violência sofridas por mulheres, sendo discriminadas e expostas a situações de tráfico para exploração sexual, além de serem vítimas de feminicídio, enfrentarem dificuldade para acessar trabalho, benefícios econômicos, poder tomar decisões sobre sua vida e “mais propensas a viver na pobreza do que os homens” (UNITD NATIONS, 2015, p. 8).

Esse estudo se propõe a discutir a questão que envolve mulheres que estão no processo de envelhecimento e são obrigadas a fugir da violência que sofrem, trataremos dessas mulheres e as formas de violação dos direitos humanos no deslocamento, abordando o processo de envelhecimento, suas limitações fisicas e emocionais e a forma de acolhimento no país de destino, discutindo as vulnerabilidades a que estão expostas, tanto pela sua condição de refugiada e por estar na faixa etária acima de 60 anos. Por ultimo e não menos importante abordaremos as formas de acesso as políticas públicas de atenção a pessoas idosa no processo de deslocamento forçado.

Embora esse seja uma temática pouco estudada, pois é muito recente o reconhecimento de meninas e mulheres como refugiada por questões de violência, a mulher refugiada no processo de envelhecimento é invisibilizada no contexto de deslocamento, mas a longo prazo, será uma expressão da questão social que deve ser inserida no contexto das politicas públicas brasileiras, de forma a garantir a inserção no acolhimento, atendimento e integração, ainda mais se for considerado o crescimento de envelhecimento de muitas refugiadas que estão próximas da idade de 60 anos e estarão fora de seus países e precisam ter dignidade no tempo que lhe resta de vida.

O que é refúgio e o mandato do ACNUR

O refúgio é considerado e amparado por mecanismos de proteção no direito internacional, fundamentado na Convenção de 1951 e revisto no Protocolo de 1957 e também da normativa interna Lei 9.474/1997. Para que não haja dúvida em relação aos status de refugiado, o próprio Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados/ACNUR, orienta das especificidades e distinção que deve haver em relação ao migrante e ao refugiado, visto que não reconhecer a condição de solicitante de refúgio como previsto na legislação, pode trazer risco a vida. Assim, adota o conceito que está referido nesta normativa interna :

I. Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II. Não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III.
Devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (BRASIL, 1997: ).

Dado a esses mecanismos de proteção e as motivações que levam pessoas a fugir de seus países em busca de refúgio, extrapola as legislações dos países que recebem solicitantes de refúgio, visto que o acolhimento independe da vontade política, visto estar previsto nos acordos internacionais e além de tudo, se trata de uma questão de Direitos Humanos, prevista na Declaração Universal do Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1948, trazendo em seu preâmbulo : “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948: preâmbulo).

O Alto Comissariado tem caráter humanitário, de caráter estritamente apolítico e atua em conjunto com organizações da sociedade civil, em maior número, mas também com setor privado e poder público. Vale ressaltar que a mobilização e ação em maior número ainda é restrito as entidades da sociedade civil, embora, com o crescimento do refúgio na última década, o estado se viu obrigado a pautar a discussão sobre a questão e também organizar “força tarefa” que desse encaminhamento para o acolhimento da grande quantidade de solicitantes de refúgio que entraram no país, sendo em maior número, venezuelanos.

Note de bas de page 2 :

ACNUR em São Paulo – Relatório de Atividades. Janeiro e fevereiro de 2021. https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/03/Relatorio-FOSP-PT.pdf. Acesso em 12 de junho de 2021.

Assim, a entidade que era para ser temporária, pois fora criada para atender os refugiados da Guerra, ainda hoje existe e ampliou sua atuação para além da capital federal, hoje conta com escritório em São Paulo, atuando articulado com os parceiros para: garantir proteção as pessoas refugiadas, apoio a integração socioeconômica, visando assegurar autossuficiência e autonomia, articular ações com as instituições e promover parcerias estratégicas e contribuir para políticas públicas de inserção aos refugiados, além de fortalecer as redes locais, por meio de subsidio financeiro e ações direta junto aos refugiados que estão sob seu mandato.2

Note de bas de page 3 :

É uma doença infecciosa causada pelo coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) (abreviado para SARS-CoV-2, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus. https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1096174/plasmaconvalescente-covid19.pdf. Acesso em 22 de maio de 2021.

Após o reconhecimento da pandemia causada pela Covid-19, pela Organização mundial da Saúde, em março de 2020, no Brasil,3 foi precisar estabelecer protocolos de biosegurança para o isolamento social e medidas preventivas contra o vírus. Isso fez com que fossem implantadas medidas pela entidades subsidiadas pelo ACNUR, para o atendimento de refugiados, mantendo seus serviços essenciais conforme relatório do comissariado em São Paulo, mantendo atendimento nas áreas de proteção, acolhimento, assistência social, integração linguística e laboral, assistência financeira, revalidação de diplomas e apoio a crianças no contraturno escolar, com entrega de cesta básica e também do Kit de higiene no combate ao vírus.

Além disso, foi preciso desenvolver programas de capacitação e orientação financeira para ingressar ou até voltar para o mercado de trabalho perdido por conta da pandemia, seja por ser sido demitido ou por não ser possível realizar o trabalho que lhe dava sustento. Portanto, a situação que se se apresentava vulnerável, com a pandemia se potencializou e expos solicitantes de refúgio e refugiado a violação de seus direitos humanos.

Com a decretação da pandemia pela OMS, cerca de 111 mil fronteiras foram fechadas nesse período, com isso migrantes e refugiados tiveram dificuldades para retornar aos seus países. Para os refugiados, essas restrições tiveram um impacto mais severo porque não puderam cruzar as fronteiras para fugir para salvar suas vidas e tampouco dos perigos e ameaças à vida. Segundo o Relatório do ACNUR, “GLOBAL TRENDS, 2020, houve um abismo em relação as pessoas que se deslocam para o turismo e negócio em relação aos que buscam proteção e melhores condições de vida, com a ampliação das vulnerabilidades socioeconômicas e das relações de exploração e dependência.

Note de bas de page 4 :

Pandemia gerou 111 mil fechamentos de fronteiras e restrições às migrações em 2020. https://migramundo.com/pandemia-gerou-111-mil-fechamentos-de-fronteiras-e-restricoes-as-migracoes-em-2020. Acesso em 12 de abril de 2021.

Enfim, com o surgimento de novas cepas, os países enfrentam novas ondas de contaminação e, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM)4, aponta que o Pacto Global para a Migração, ajudaria os países buscarem ações em conjunto para enfrentar os desafios durante e pós pandemia que se despontam, no entanto, com a quebra do acordo firmado em novembro de 2018 por 164 países, alguns deles, inclusive o Brasil, como primeiro ato desse atual governo, isso ficou prejudicado e coloca em risco milhões de pessoas no mundo.

Mulheres refugiadas e as formas de violação dos direitos humanos no deslocamento

Embora as pessoas na condição de solicitante de refúgio ou refugiadas sejam, na maioria homens, na última década, houve uma transformação no quadro sociodemográfico, podendo assim, se caracterizar um crescimento da população feminina se deslocando, inclusive no Brasil. Segundo o CONARE – Comitê Nacional para Refugiados, em 2019, considerando pessoas venezuelanas, que são o maior número em busca de refúgio no Brasil, 49,0% são homens e 45,1% são de mulheres, sendo que, deste percentual, cerca de 390 são mulheres na faixa etária acima de 60 anos.

A exemplo do que ocorre no processo de migração, onde as mulheres, nos últimos tempos, já migram sozinhas em busca de melhores condições de vida e realização de projetos pessoais, embora possam estar sendo vítimas de tráfico de pessoas, o número de mulheres que fogem em busca de refúgio já é considerado elevado, sendo que em 2019, enquanto os homens corresponderam a 55,2% de solicitantes de refúgio, as mulheres representaram 44,8% do total apresentado acima, muito embora, esse deslocamento seja forçado e para fugir de diversos tipos de violência sofrida por essas mulheres em seu país de origem. Verifica-se entre os solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado venezuelanos a menor variação de distribuição por sexo. Uma proporção de 51,5% de solicitantes homens para 48,5% de mulheres. Em seguida, aparecem os solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado angolanos, 52,2% de homens para 47,8% de mulheres, enquanto os cubanos se distribuíram entre 57,3% homens e 42,7% mulheres.

Quanto se trata da análise dos números de reconhecimento de refúgio, as mulheres chegam a quase metade do número total, perfazendo 48,4%, sendo que a maioria se encontra na faixa etária de 25 a 39 anos, havendo uma raferação em relação aos grupos de faixa etária de pessoas consideradas idosas, ou seja, entre a faixa etária de 15 a 60 anos, o número representa 96,1% do total de refugiados (SILVA, 2020, p. 21).

As mulheres e as crianças refugiadas, dentre elas mulheres idosas, é considerado um grupo de grande vulnerabilidade social devido a violação dos direitos humanos, pois sofrem violência sexual e passam a ser discriminadas nas comunidades em que vivem, em virtude disso são forçadas a se deslocarem, essa situação de violência se agrava por outros fatores, como a origem étnica, deficiências físicas, religião, orientação sexual, identidade de gênero, idade e origem social.

Assim, embora se percebe a invisibilidade na identificação de mulheres idosas na condição de refúgio, pois muitas vezes, no contexto de violência, onde presenciam o assassinato e desaparecimento de seus familiares, bem como o acesso restrito a alimentos, água e luz elétrica, acabam sendo a única pessoa da família que ainda resta para cuidar de crianças e jovens, potencializando a necessidade de ter proteção e apoio para sobreviver e se proteger da violência.

Envelhecimento e o acolhimento de mulheres refugiadas

O envelhecimento se apresenta como um termo impreciso e complexo, visto que é socialmente construído e sua conceituação vai depender do contexto sócio histórico vivido, ou seja, não se pode comparar as condições de vida para determinar a velhice entre pessoas que vivem em países em desenvolvimento, como o Brasil, país tropical, de grande miscigenação cultural, social, econômica e política, com pessoas que vivem na Europa, por exemplo, com outro clima, cultura e costumes que proporciona melhor qualidade de vida, onde a perspectiva de vida supera a dos brasileiros.

Assim, devem ser considerados vários aspectos para determinar o status de velhice, segundo Minayo & Coimbra Jr, (2002), para se entender o lugar social dos idosos “é preciso compreender a forma como a sociedade organiza a estrutura, as funções e os papéis de cada grupo etário específico” (MINAYO & COIMBRA, 2002: 15). No entanto, afirma que há estudos antropológicos que podem identificar aspectos estruturais fundamentais, “de tal forma que é possível transcender particularismos culturais e encontrar alguns traços comuns do fenômeno que poderiam ser considerados universais (MINAYO & COIMBRA Jr, 2002, p. 15).

A autora cita os estudos antropológicos de Leo Simmons (1945), que analisou a situação de velhos em sociedades indígenas com alguns parâmetros que podem ser considerados genéricos, mas que no final, revela questões que podem ser:

os desejos universais dos velhos nessas sociedades”, pois todos os grupos estudados revelaram que “todos os velhos desejam viver o máximo possível; terminar a vida de forma digna e sem sofrimento; encontrar ajuda e proteção para a progressiva diminuição das capacidades; continuar a participar das decisões que envolvem a comunidade; prolongar, ao máximo, conquistas e prerrogativas sociais como propriedade, autoridade e respeito (MINAYO & COIMBRA Jr, 2002, p. 15).

Com a globalização e o avanço tecnológico, a sociedade de consumo dá as cartas, ou seja, os produtos se tornam descartáveis, estimulando o consumismo. Da mesma forma, ocorre com o imaginário coletivo, onde o velho é considerado “descartável”, passa a ser uma “carga econômica”, pois:

para nós, habitantes deste líquido moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha (BAUMANN, 2004, p. 34).

Em termos de impactos nos sistemas de saúde, os formuladores de políticas no Brasil, consideram um “custo social da população idosa”, em três vezes maior, considerando inclusive a longevidade, embora isso venha acompanhado de doenças que precisarão ser atendidas pelos sistemas de saúde e demandando cuidados por parte da família, onde um membro geralmente tem que abrir mão do trabalho e da vida social para cuidar do idoso ou a saída encontrada é a internação em casa de longa permanência onde passará a viver sob os cuidados de entidades, subsidiadas pelo estado, pela família e muitas vezes com o recurso parco da aposentadoria.

Considerando que essas mulheres, no processo de deslocamento, já tiveram seus direitos humanos violados, quando não puderam acessar moradia, trabalho, saneamento básico, foram violentadas e perseguidas e não tiveram direito a proteção nos seus países de origem e, muitas vezes, sofreram violência do próprio agente público que tem o dever de protege-la, se abrindo a necessidade de ampliar essa discussão sobre essa questão, inclusive, investigar também os aspectos relacionados ao processo de envelhecimento, momento onde deveria ter condições dignas de vida, com autonomia e qualidade de vida, mas que enfrentam o abandono e a solidão além das limitações físicas e emocionais impostas nessa fase da vida, potencializada quando sofre perdas ao longo da vida.

Assim, é preciso pensar em formas de proteção para mulheres no processo de envelhecimento, tanto em relação a proteção no seu país, durante o deslocamento, onde pode ser vítima de discriminação e outras formas de violência, mas também quando chega ao país de destino, onde deve ser acolhida e inserida no contexto de proteção que atenda suas necessidades na totalidade e resgate ou minimize as perdas que teve durante a vida, no percurso e a permanencia no contexto social em que viverá, visto que, tal como os que se encontram nos campos de refugiados não podem voltar ‘ao lugar de onde vieram’, “já que os países de origem não os querem de volta, suas formas de subsistencia foram destruídas e seus lares, pilhados, demolidos ou roubados” (BAUMAN, 2004, p. 117).

Políticas públicas de atenção a pessoa idosa no deslocamento

Note de bas de page 5 :

Ver em Machado, Maria Alice Nelli. História da luta pelos direitos sociais dos idosos. https://www.geracoes.org.br/historia-da-luta-pelos-direitos-sociais-dos-idosos. Acesso em 22 de maio de 2021.

No Brasil, a luta pelos direitos da pessoas idosa durou mais de 4 décadas e aconteceu em um momento que o país vivia um grande momento de transição, se deu por conta da organização de segmentos da sociedade que trouxe a discussão para o cotidiano, visto que na cotidianidade podemos efetivamente nos orientar e atuar[...] (HELER, 1985, p. 31). O que até então estava no âmbito de especialistas da demografia5, que apontava para o crescimento demográfico com o envelhecimento da população e ausência da proteção social e também falta de investimentos públicos na atenção às pessoas idosas por parte do Estado, mobilizou toda sociedade para discutir e propor políticas públicas para esse segmento e de campos médicos que estudavam sobre o envelhecimento e a velhice, passa a ser pautado por movimentos sociais e segmentos que atendiam os idosos, pressionando o Estado para pautar essa questão nas suas discussões políticas e economicas, visto que trazia grande problemas sociais e de saúde para os idosos e suas famílias.

Após a Constituição Federal de 1988, com a previsão da proteção impressa na Lei, ainda se passaram duas décadas até a aprovação da Lei do Estatuto do Idoso que fora sancionado em 2003 e trouxe no ser Art. 1º : “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos

assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. Mesmo sendo considerada uma grande conquista no âmbito da proteção e promoção à pessoa idosa, ainda persistia a dificuldade para se estabelecer limites em relação aos parâmetros para a “terceira idade”, embora esses fossem necessários para que atendessem os aspectos jurídicos, passando então, a estabelecer uma idade limite, conforme previa o Estatuto.

Em matéria publicada no Jornal “DIÁRIO DE S. PAULO”, um ano depois da promulgação do Estatuto do Idoso, intitulada “Terceira idade brasileira começa aos 60; na Europa só aos 65”, tanto IBGE, Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde, afirmam que a idade limite é de 60 anos, criando uma controvérsia, visto que esse limite se aplica aos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Isso fez com que o IBGE apresentasse números diferentes no CENSO de 2000, um que constava que o “Brasil tem atualmente 14.536.029 idosos, ou seja, 8,56% da população está no que se convencionou chamar de Terceira Idade (FRANGE, 2021, p. 11). Outro que apresentava, caso fosse considerado o que dizia a Organização Mundial da Saúde, o número seria bem menor, 9.935.100, ou 5,85% dos brasileiros. À época, a expectativa de vida média do brasileiro era em torno de 71 anos de idade, em relação aos Estados Unidos, por exemplo, que era acima de 79 anos.

A mesma reportagem apresentava prospecção sobre as estimativas da OMS, de que até o ano de 2050, esse numero de pessoas com 60 anos nos países em desenvolvimento iria passar de 200 milhões para 1,2 bilhão, um crescimento de 600%, ou seja, três quartos da população idosa estariam em países como o Brasil. Essa expectativa vem se confirmando, visto que temos no Brasil, a diminuição da taxa de fecundidade e o aumento da expectativa de vida da população idosa, com o acesso as políticas publicas de atenção a terceira idade, com uma “projeção, quem nascer em 2060 poderá chegar a 81 anos. Desde 1940, a expectativa já aumentou 30,5 anos” (IBEGE, 2019, p. 23).

Mas, “tá tudo muito bom, (bom), tá tudo muito bem, (bem)”, mas se pode dizer que o Brasil não “soube amar” sua população idosa, visto que, recentemente houve a (des) reforma da Previdência, atingindo duramente o sistema de seguridade social brasileira, construída ao longo de décadas, alterando a idade mínima para os trabalhadores e trabalhadoras se aposentarem, o que, considerando o grande número de pessoas em situação de pobreza e sem amparo das leis trabalhistas e no processo de envelhecimento e sem, ao longo da vida ter contribuído, vido que a previdência no Brasil é contributiva, não terão acesso a aposentadoria, outros, que estavam em vias de se aposentar, terão que trabalhar até 10 anos a mais.

Note de bas de page 6 :

Ver https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-aposentadoria-por-idade-trabalhador-urbano [12:00, 07/06/2021]. Acesso em 10 de junho de 2021.

Essa mudança atinge fortemente as mulheres, principalmente aquelas que se dedicam as suas famílias, não construíram uma carreira profissional, as que enfrentam trabalho informal para complementar a renda familiar e se veem desamparadas quando adoecem ou envelhecem, sendo que a partir de 2020, as regras passam a valer também para as mulheres que terão, em 2020 o limite de 60 anos e seis meses; em 2021, 61 anos; em 2022, 61 anos e 6 meses e em 2023, 62 anos de idade6. Assim, essa trabalhadora que já tinha dificuldade para enfrentar a velhice, passa a ter que trabalhar mais ou recorrer ao benefício social, caso adoeça ou não tenha como se sustentar.

Se por um lado, o mercado do turismo e do entretenimento está buscando oferecer serviços a essa população que envelhece com saúde e dinheiro no bolso, por outro lado, se percebe o movimento perverso quando a pessoa da família passa a ser considerada um “incômodo” e já não cabe mais no convívio e nas relações familiares, pois ao contrário daqueles que não envelhecem com saúde e sofrem males incapacitantes, além das dificuldades financeiras, ou até mesmo aqueles que já não se sentem mais queridas no ambiente familiar ou sofrem violência doméstica, e até aquela que simplesmente não se sente mais segura em gerir sua própria vida, sua casa.

Nesse momento o núcleo familiar tenta buscar saída para resolver esse “problema”, para onde irá, como sustentar esse idoso, com pouca ou nenhuma renda? Quem irá cuidar? A alternativa, muitas vezes, é utilizar como moradia, as instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), tanto para aqueles idosos que necessitam de cuidados com a saúde, mas também aqueles que ainda permanecem com relativa autonomia, optam por viverem em moradias coletivas, mas que se sintam acolhidos afetuosamente.

Muito embora essa alternativa seja consensuada pela família e pela pessoa idosa, ainda assim, gera desconforto, pois vai deixar o lugar que passou a maior parte de sua vida e pode “gerar um sentimento intenso de estranheza, na medida em que evoca ansiedades precoces decorrentes de suas vivências pessoais de desamparo e abandono, inescapáveis à condição humana”, e para aqueles que já são mais idosos, “a proximidade da morte torna-se real”, pois quando se associa a velhice “à doença, à pobreza, ao abandono e à morte, amedronta e ameaça a psique humana” (BURLÁ, 2010, p. 282-283).

É nesse contexto que se discute a inserção de mulheres refugiadas que enfrentam o processo de envelhecimento, já marcadas pelo sofrimento de violência sofrida no país de origem, durante o trajeto de deslocamento e precisa ser acolhida e ter acesso as políticas públicas como todo cidadão brasileiro, visto que ao se refugiar no país, pela sua condição, deve receber a proteção internacional prevista nos acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, não podendo se negar a isso.

Note de bas de page 7 :

Comitê Nacional para Refugiados, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e tem por finalidade analisar as solicitações de refúgio no Brasil.

Note de bas de page 8 :

« Os velhos também se despedem: os idosos diante da migração venezuelana » | MigraMundo. Acesso em 22 de junho de 2021.

Embora o Brasil, devido a sua posição geográfica, não recebe grande quantidade de refugiados, não chega a 1% (um por cento), ainda assim precisa pensar no acolhimento e proteção de pessoas na condição de refugiados e, principalmente para mulheres no processo de envelhecimento, segundo o CONARE7, em 2017, “32% das 10.038 solicitações de refúgio foram feitas por mulheres. Como é o caso da venezuelana Elvira8 que cruzou a fronteira do Brasil (Boa Vista) e foi para São Paulo, com seu marido, pois no seu país tem dificuldade para conseguir alimentos e tem que ‘disputar’ batatas e enfrentar longas filas para comprar ovos e os serviços de água e luz são racionados e mesmo com a sua pensão e de seu marido, não é sufuciente para viver dignamente e diz : “Só quero uma velhice tranquila, sem ter que ficar na fila o tempo todo”.

Assim, é preciso refletir tanto sobre o acolhimento imediato dessas mulheres refugiadas, quanto nas questões relacionadas ao processo de envelhecimento, visando prevenir todas as formas de violência, seja cultural, econômica, social, psicológica em busca de oferecer condiões que ofereçam uma vida digna e as formas de acesso as políticas públicas de atenção as pessoas idosas, visto que está sob a proteção do estado brasileiro e deve ter acesso as políticas sociais públicas oferecidas, sem discriminação ou preconceito.

Considerações finais

Com o crescimento do número de pessoas em deslocamento pelo mundo, ultrapassando a cifra de 80 milhões de pessoas, se pode afirmar que “o mundo não estava preparado para isso”. No Brasil, isso se apresenta claro e fortemente perigoso, visto que o país, apesar da legislação de proteção legal (Lei 9.474/1997), não tem histórico de pautar essa questão nas discussões enquanto política de Estado, isso acaba por não garantir os direitos humanos de pessoas que buscam refúgio ao fugir de seus países de origem para salvar suas vidas.

O objetivo desse texto foi discutir a situação de mulheres refugiadas no processo de envelhecimento, se pode constatar que, apesar de ser um número reduzido de pessaos nessa faixa etária ‘terceira idade’, dados esses que não representam o real número de pessoas, é preciso pensar em como essas mulheres vão enfrentar esse período longe de seus países, casa, família, pensar inclusive, que muitas delas não terão oportunidade de retornar, algumas enfrentaram doenças incapacitantes e até impossibilidade de gerir suas vidas de forma autônoma e com isso irão precisar da proteção do estado brasileiro, especialmente para aquelas que se encontrarem com dificuldade ou ausencia total de renda.

O estudo demonstra que é preciso avançar nas pesquisas sobre essa temática, seja pelo número de pessoas que se deslocam e enfrentam o envelhecimento, seja porque, nessa etapa da vida, se espera que haja condições dignas de vida com acesso as políticas públicas que ofereça proteção de forma integrada e uniforme, principalmente para as que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Se evidencia, que não se esgota nessa pequena reflexão as questões complexas que envolvem a mobilidade humana de mulheres na terceira idade.